quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Assédio Moral no Trabalho

“Morder o fruto amargo e não cuspir mas avisar aos outros o quanto é amargo, cumprir o trato injusto e não falhar mas avisar aos outros quanto é injusto, sofrer o esquema falso e não ceder mas avisar aos outros quanto é falso; dizer também que são coisas mutáveis... E quando em muitos a noção pulsar – do amargo e injusto e falso por mudar – então confiar à gente exausta o plano de um mundo novo e muito mais humano.”

(“Tarefa” – Geir Campos)


Assédio Moral no Trabalho, Basta!!

O assédio moral nas relações de trabalho é um tema novo no Brasil, praticamente o debate inicia em 2000, à partir da divulgação de uma pesquisa realizada pela Dra Margarida Barreto em sua dissertação de Mestrado em Psicologia Social, sob o título “Uma Jornada de Humilhações”. Após a primeira publicação, o tema não saiu mais das pautas de todos os segmentos da sociedade. Porém, apesar dos intensos debates, há ainda algumas dúvidas quanto ao conceito de assédio moral, como reconhecê-lo e o que fazer para combatê-lo.

Para uma melhor compreensão é necessário entender que assédio moral nas relações de trabalho “é a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego.” (Dra Margarida Barreto - site).

A Pesquisa realizada no ano de 2000, com 2072 trabalhadores e trabalhadoras de 97 empresas de grande, médio e pequeno porte dos setores químico, farmacêutico, plástico e similares de São Paulo e Região, constata que 42% dos (as) trabalhadores (as) apresentaram histórias de humilhações e constrangimentos, onde 494 mulheres (56,8%) e 376 homens (43,2%) sofriam violência moral no trabalho.

Já em 2005, em defesa de Doutorado, Dra Margarida relata uma pesquisa que envolveu 42 mil trabalhadores/as de empresas públicas e privadas, governos e ONG`s. Onde: 10 mil pessoas (23,8%) declararam já ter sofrido algum tipo de violência psicológica e humilhação no trabalho; 63% são mulheres e 37% são homens; 70% dos homens assediados pensaram em cometer suicídio; 90% das mulheres sofreram de pensamentos fixos e perda de memória; 70% dos homens e 50% das mulheres tiveram depressão; O tempo que uma pessoa suporta essa violência na iniciativa privada e nas ONG`s, dura entre seis e 12 meses. E nos órgãos públicos, 60% dos casos duram mais de 37 meses.

Pelos dados obtidos através desta recente pesquisa, divulgada no Jornal Folha de São Paulo, verifica-se que nenhum setor está imune a essa prática perversa e cruel, seja público ou privado, governamental ou não governamental, o assédio moral está presente adoecendo trabalhadores e trabalhadoras, expondo-os cotidianamente a humilhações, ferindo os direitos mais fundamentais, retirando sua própria identidade. Obriga os trabalhadores e trabalhadoras a submeterem-se a uma violência invisível aos olhos, mas muito concreta no que refere à sua dignidade.

As mudanças ocorridas no mundo do trabalho exigiram das empresas uma nova gestão, “o único caminho encontrado pelas empresas para se adequar às mudanças do mercado foi alterar sua organização interna, tendo de cortar despesas, elas diminuíram os níveis hierárquicos, concentraram funções e criaram metas. Surgiu a administração por estresse, por meio de metas” (Ruy Braga – professor da USP e especialista em sociologia do trabalho) e conseqüentemente a organização no local de trabalho sofreu uma série de transformações. Passamos a vivenciar uma gestão perversa que suga a saúde dos trabalhadores e trabalhadoras e quando não produzem mais, procura uma forma de descartá-los. Que trata os trabalhadores como meros objetos, mantendo-os enquanto são necessários ou produtivos.

A violência moral que a classe trabalhadora vive no dia-a-dia reflete diretamente em seu comportamento e suas relações com amigos, familiares e na própria sociedade. Algumas vítimas de assédio moral por não conseguirem expor sua dor e serem humilhadas constantemente sem ter como reagirem, pois o medo de perder o emprego é maior, passam a ter reações agressivas contra os outros e a si próprio, a consumir drogas, aumentar o consumo de álcool e fumo, e ao isolamento social. A violência doméstica e contra a mulher (não as justificando) e o suicídio, ou a tentativa. Este último mais presente entre os homens, muito em função da dificuldade de exporem os sentimentos e a demora pela busca ao atendimento médico. As pesquisas mostram que as mulheres são as maiores vítimas de assédio moral, mas há de se observar que as mulheres são as que mais denunciam e procuram por um tratamento.

Para o fim dessas práticas nas relações de trabalho, há de se lutar por uma sociedade justa e igualitária, livre de preconceitos e discriminações, humanizar as relações, respeitar as diversidades, trazer de volta às práticas diárias sentimentos mágicos que estão se perdendo no tempo, a solidariedade, fraternidade, verdade, amizade, o amor. Sentir a dor do outro, olhar nos olhos dos companheiros e companheiras, acreditar e construir relações verdadeiras de amizade e de cumplicidade. Sair de nossos “muros”, “grades”, “armaduras”, e pensar, lutar e agir em favor do coletivo. Provar do fruto amargo e dizer o quanto é amargo, desnaturalizando a coisificação do Ser Humano.

Há a necessidade, também, que diversos segmentos cumpram com seu papel:

O Estado: Garantir políticas públicas para a segurança e saúde da classe trabalhadora; Campanhas esclarecedoras na mídia; Leis claras, que conceituem esse mal e que responsabilizem as empresas que praticam e permitem o assédio moral nas relações de trabalho; Reconhecer que todas as vítimas de assédio moral, que necessitem de afastamento do trabalho para tratamento de saúde, têm o direito a receber o auxílio doença acidentário.

As empresas: Promover o fim de toda e qualquer forma de discriminação, humilhação e constrangimento; Informar todos os trabalhadores e trabalhadoras sobre assédio moral; Manter condições de trabalho seguras e saudáveis; Apoiar a organização de comissões internas para fiscalização e prevenção.

Os sindicatos: Incluir nos acordos e ou convenções coletivas cláusulas sobre assédio moral; Orientar e informar os trabalhadores/as; Formar seus coordenadores e empregados/as;Priorizar a saúde e segurança da classe trabalhadora; Dizer não às horas extras, banco de horas, PLR por assiduidade e produtividade;Apoiar, incondicionalmente, o (a) trabalhador (a) vítima de assédio moral;Denunciar.

Os trabalhadores e trabalhadoras: Humanizar as relações, ser solidário à dor do outro, ser amigo e companheiro; Lutar contra qualquer forma de discriminação; Anotar diariamente as humilhações sofridas, com hora e data; Denunciar na Delegacia Regional do Trabalho, no Ministério Público do Trabalho, no Sindicato, conversar com a família, amigos; Resistir a toda e qualquer manifestação de assédio moral, jamais pedir demissão; Organizar associações e grupos de solidariedade; Procurar o médico de sua confiança e relatar o que está acontecendo; Denunciar, informar resistir e lutar.

A família: Apoiar, incondicionalmente, a vítima de assédio moral, sem cobranças e desconfianças. Saber entender o que é essa dor invisível, que humilha, constrange e discrimina, que reduz o ser humano ao “zero absoluto”. Incluir-se no tratamento, a família também adoece.

Quando as vítimas de Assédio Moral sabem o que é essa violência, passam a informar e a lutar para transformar a forma como o trabalho está organizado. Deixam de ser somente vítimas e passam a ser agentes de transformação, na busca de um ambiente de trabalho seguro e saudável.

As vítimas de assédio moral podem sim sair da condição de vítimas apenas, para agentes de transformação. Onde a educação, a informação, a humanização das relações, a solidariedade, e o amor, principalmente, são fundamentais para que isso aconteça, essas são as maiores armas para o fim deste mal.

Construindo o debate junto aos Movimentos Sociais, o Deputado Federal Mauro Passos (PT/SC) apresentou o PL 2369/03, que dispõe sobre o Assédio Moral nas Relações de Trabalho. O Projeto encontra-se com Parecer favorável do Relator Deputado Federal Vicentinho (PT/SP) na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) da Câmara Federal. O Ministério do Trabalho manifestou-se através de uma Nota Técnica onde demonstra o apoio ao Projeto, a plenária da III Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador, em Novembro de 2005, também se posicionou a favor, reafirmando as dezenas de moções de apoio aprovadas no decorrer das Conferências Estaduais, também realizadas no ano de 2005.

Porém, o que se pode perceber é que por conceituar legalmente este mal que está presente na organização do trabalho, punir as empresas que não tiverem políticas de prevenção ao assédio moral, permitir a possibilidade de inversão do ônus da prova, onde a empresa deverá provar que não assediou o trabalhador/a, e abranger nacionalmente toda a classe trabalhadora, este Projeto vem causando um “mal estar” entre aqueles que defendem os interesses dos “patrões” e a já mencionada administração pelo stress. A garantia da “autoridade” superior hierárquica pela humilhação e a punição pela falta de subordinação e “obediência” com castigos cruéis e desumanos.

Com a organização, união e conscientização coletiva, a sociedade conquistará o direito a um trabalho digno, seguro e saudável, livre de humilhação.

Resistir, informar, denunciar, organizar, sempre!


“A escravidão contemporânea é diferente daquela que existia até o final do século 19, quando o Estado garantia que comprar, vender e usar gente era uma atividade legal. Mas é tão perversa quanto, por roubar do ser humano sua liberdade e dignidade.”

(Leonardo Sakamoto)

Violência contra a Mulher - SC 2014