Seria certo afirmar que nosso maior erro está em não termos dialogado mais sobre "que projeto de país propomos"?
Ano passado, durante as manifestações dos estudantes, um dos meus filhos disse: "Mãe vocês fizeram a juventude pensar". Com certeza, ampliamos as vagas nas Universidades e ensino Técnico, democratizamos o acesso a informação, implementamos ações afirmativas incluindo mulheres, jovens, negros, idosos, deficientes, mas não conseguimos dialogar e mostrar a importância deste processo para a construção de uma sociedade equânime, sequer sabem o que é equidade.
O Brasil tem mais de 100 milhões de pessoas vivendo na classe média, com trabalho formal, acesso ao crédito, a casa própria, inflação controlada, desemprego em queda constante, salário com reajuste real anualmente; Mas não conseguimos dialogar sobre a importância do bolsa familia para a vida dos milhões de miseráveis que viviam na linha extrema da pobreza.
Por várias vezes me vejo fazendo um comparativo entre o que acontece na sociedade e o que acontece dentro das nossas casas, nas nossas relações familiares e de amizade. Algumas pessoas podem não concordar mas vale a pena refletir, pois ambas relações são frutos da sociedade em que vivemos.
Em uma relação entre pais, mães e filhos, é preciso ter presente vários elementos para que construam laços de amor e solidariedade, laços estes que serão reproduzidos em suas relações para fora do meio familiar. Afinal, somos o que o meio nos educa a ser. Se temos amor, amamos. Se temos compreensão, compreendemos. Se há informação, reproduzimos. Se há objetivos comuns, traçamos metas que viram objetivos de vida e nos esforçamos a cumpri-las.
Por outro lado, se não temos essa relação de cumplicidade, se não temos objetivos comuns, cada membro da família vai buscar os seus desejos pessoais. E se suas necessidades pessoais são supridas por outras formas que não por esta busca, os sonhos e desejos não mais as movem. Se tudo tenho e nada me falta, que sentido há?
Penso que isso vale tambem para outras formas de relação.
Há dias, em um onibus a caminho de casa, fui conversando com uma senhora (dona de casa) e percebi que uma de suas atividades cotidianas teria sido arrancada de sua vida e ali tinha ficado um vazio inconfessável. Conversando sobre a dificuldade de encontrar uma faxineira, ela diz a seguinte frase: "menina, há uns anos, próximo a minha casa tinha uma família enorme que precisava de ajuda, sempre dávamos alimentos, roupas, em troca eles cortavam a grama e uma das moças fazia faxina lá em casa. Hoje é uma dificuldade para encontrar alguem", perguntei o que tinha acontecido com a família e ela me respondeu: "tem gente fichada numa empresa nova que abriu lá, outro abriu uma empresa de limpar jardim e caixa dagua e a que me fazia faxina abriu uma portinha de costura", sorrindo complementou: "ganhei uma costureira mas perdi a faxineira".
Fiquei curiosa e quis saber mais, ela me falou que a costureira fez um curso de costura do governo e "é ajeitadinha na costura", "estão com dois filhos na faculdade e um na escola técnica, dá gosto de ver". A família não precisou mais da ajuda dela e ela me disse com todas as letras: "todo dia eu cuidava as sobras de comida lá em casa e levava pra eles, mas hoje é uma dó só jogar a comida no lixo, mas as roupas eu levo todo ano na igreja".
E, próximo ao seu ponto de desembarque, ela finaliza nossa conversa dizendo: "minha mãe me ensinou a ajudar quem precisa, assim eduquei meus filhos e farei com meus netos, mas fazer o que se não tenho alguem próximo para ajudar".
Essa conversa com a Sra Celia me trouxe a seguinte reflexão:
Há 20 anos...
Planejávamos por anos a compra da casa própria, de um carro, uma viagem, o que faríamos com o décimo terceiro, economizávamos para um filho fazer cursinho e entrar na faculdade, a "caderneta de poupança recheada" era uma grande conquista, concurso público era o foco por ser o mais seguro. Nossa perspectiva de solidariedade era a de "ajuda" e não a de termos uma sociedade justa e igual, com direitos e acessos a esses direitos de forma equânime.
Pergunto:
Seria muita crueldade afirmar que os que odeiam o Bolsa Familia não o odeiam por ser uma política social, mas pelo fato de não terem mais a quem dar "esmolas" ou barganhar favores?
Seria esta a "Era das distopias" que a Conceição Tavares fala? Estaríamos vivendo uma época de falta de projetos, objetivos, sonhos e desejos? Estaríamos construindo uma pátria de filhos mimados, individualistas e intolerantes, onde o ter está acima do ser?
Se sim, o que fazer para resgatarmos a consciência de classe que nos motivou a chegarmos até aqui?
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