Não sei se comemoro, por ser uma luta que acompanho há anos.
Ou se choro, por lembrar das vidas que se perderam neste desastre.
São anos de militância em saúde do trabalhador, são anos sofrendo junto com os companheiros e companheiras expostos a agentes químicos, e no final, o que nos resta, são as indenizações.
São compensações, pois a vida jamais será como antes, seja dos adoecidos e adoecidas, seja de familiares de vitimados.
Segue abaixo matéria do Repórter Brasil, sobre acordo com Shel e Basf, no caso de Paulínia / SP
08/04/2013 - 13:29
Shell e Basf terão que pagar indenização milionária por contaminação em fábrica de agrotóxicos
Multinacionais assinam acordo se comprometendo a pagar atendimento médico a mais de mil ex-trabalhadores e indenização de R$ 370 milhões
Por Anali Dupré e Stefano Wrobleski
Foi homologado nesta segunda-feira, 8, acordo de indenização milionário que Shell e Basf fecharam com os ex-trabalhadores da fábrica de agrotóxicos controlada pelas empresas que funcionou de 1974 a 2002 no município de Paulínia, no interior de São Paulo. As multinacionais comprometeram-se a pagar atendimento médico vitalício a mais de mil ex-trabalhadores, diretos e terceirizados, e seus dependentes, o que torna o caso um dos mais abrangentes da história do Tribunal Superior do Trabalho, onde a ação seria julgada se não houvesse o acordo. Além disso, elas devem pagar ainda R$ 200 milhões em indenização por danos morais coletivos e aproximadamente outros R$170 milhões aos ex-trabalhadores e seus dependentes, a título de indenização individual.
—Ex-trabalhadores em manifestação realizada em fevereiro em frente ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). Foto: Antonio Cruz/ABr
A ação teve início em 2007, depois que diversos estudos ligando a contaminação do lençol freático pela empresa e a saúde dos trabalhadores foram analisados pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Para o MPT, além de terem contaminado o meio-ambiente por produzir agrotóxicos em desacordo com as normas ambientais, a Shell e a Basf foram negligentes “em relação à saúde, à vida e à integridade física e psíquica” dos trabalhadores.
Em nota, a Shell disse considerar o acordo “uma excelente oportunidade para o término da disputa judicial”, mas que não reconhece a contaminação dos trabalhadores: “A ocorrência de contaminação ambiental não implicou, necessariamente, em exposição à saúde de pessoas”. Em entrevista à Repórter Brasil, o advogado dos trabalhadores Vinícius Cascone ironizou o posicionamento da companhia: “Significaria dizer que eu pulei numa piscina cheia de água e, ao sair, dizer que não fiquei molhado”. A Basf, também em nota, confirmou o acordo e afirmou “compromisso em posicionar-se com transparência em todos os aspectos relacionados a este assunto”.
Os drins
Dentre os agrotóxicos produzidos pela fábrica estavam os chamados drins (Aldrin, Dieldrin e Endrin), que foram inventados nos EUA na década de 1940 e largamente utilizados no cultivo de algodão e milho, além do controle de cupins. Por possuírem alta persistência no meio ambiente e se propagarem pela cadeia alimentar, seu uso na agricultura foi banido em 1974 nos EUA depois que a Agência de Proteção Ambiental do país (USEPA) confirmou o alto risco de câncer em animais e contaminação em alimentos.
Assim, a Shell foi obrigada a fechar sua fábrica de pesticidas que estava em atividade desde 1948. No Brasil, os drins foram parcialmente proibidos para uso e comercialização somente em 1985. Em depoimentos registrados em vídeo pela reportagem, trabalhadores relatam que ficavam expostos aos produtos tóxicos com regularidade e que acidentes eram comuns. Hoje, sofrem com problemas graves de saúde. Assista aos depoimentos:
Os drins fazem parte dos Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs) e, em 1998, entraram em uma lista do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente que os colocou entre os doze POPs mais tóxicos do mundo (clique aqui para ver a relação completa em inglês).
A fábrica
Ainda em 1974 a Shell iniciou, no município de Paulínia, a construção de uma fábrica para a produção de diversos tipos de agrotóxicos, como os drins. A produção teve início três anos depois, em 1977.A construção foi fiscalizada pela Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental), que apontou, em 1975, que a localização da fábrica não era “conveniente”: por estar muito próxima do Rio Atibaia, haveria uma possibilidade, “ainda que remota”, de contaminação de suas águas.
—Imagem área da área contaminada. Foto: Divulgação/Edo Cerri – Químicos Unificados
O Rio Atibaia tem mais de cem quilômetros de extensão. Suas águas, apesar de poluídas pelo esgoto despejado sem tratamento pelas cidades por onde passa, abastecem mais de dois milhões de moradores do interior de São Paulo. A pesca no rio ainda é uma prática comum das populações locais.
Em 1993, como parte do acordo de venda da fábrica para a American Cyanamid Co. (comprada, em 2000, pela Basf), a Shell teve que fazer uma auditoria ambiental que constatou que o meio ambiente e o lençol freático estavam contaminados pelos produtos que ela fabricava. Segundo a companhia, no entanto, a contaminação estava restrita à área da fábrica.
Dois anos depois, a Shell foi obrigada a fazer uma auto-denúncia à Curadoria do Meio Ambiente de Paulínia, reconhecendo os danos ambientais. Ela também se comprometeu a recuperar a área em um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público (MP). De acordo com a Shell não havia qualquer risco de contaminação dos trabalhadores da fábrica. Em 2000, por pressão dos moradores das chácaras da região, a Cetesb coletou amostras de fora da área da fábrica. Eles alegavam que a água proveniente do lençol freático tinha um forte odor. A Cetesb, então, constatou que a contaminação havia extrapolado os limites da fábrica. Veja mapa:
Em dezembro de 2002, a Basf anunciou o fechamento da fábrica e a demissão de todos os funcionários. No mesmo período, a vigilância sanitária de Paulínia interditou a área residencial onde ficavam as chácaras e evacuou o local.
Entre 1998 e 2006, dezenas de ex-trabalhadores e ex-moradores entraram com ações individuais contra as duas empresas por conta dos danos ambientais e dos alegados riscos à saúde humana a que foram submetidos. Em depoimento à Promotoria de Justiça, um dos ex-funcionários alegou que a Shell manteve quatro aterros clandestinos na área da fábrica e que o incinerador era utilizado também por outras empresas da região.
Nos anos seguintes, a área onde a fábrica ficava e as chácaras da região foram compradas pela Shell. Uma ex-moradora, no entanto, se recusa a aceitar as condições oferecidas pela companhia e mora há dez anos em um quarto de hotel à espera da resolução da disputa na justiça (veja box abaixo).
—Redondezas da fábrica foram interditadas em 2003 por “risco à saúde” (Foto: Divulgação)
Contaminação
A vigilância sanitária da Prefeitura de Paulínia produziu, em 2003, um estudo com 181 moradores (aproximandamente 70% da população) do bairro Recanto dos Pássaros, onde a fábrica estava instalada. No sangue de muitas dessas pessoas foram detectados metais pesados – como chumbo, cádmio e arsênico – e os agrotóxicos DDT e Aldrin.
O estudo ainda pondera que, se a população do bairro tivesse sido retirada do bairro pelo “risco potencial” à saúde quando, em 1995, a companhia reconheceu perante à prefeitura os danos ambientais causados, quase metade (47%) dos moradores não teriam sido expostos aos contaminantes porque haviam nascido ou se mudado para o Recanto dos Pássaros depois de 1995.
A Associação dos Trabalhadores Expostos a Substâncias Químicas (Atesq) levantou que, desde 2007, com o início do processo na Justiça, mais de 60 ex-trabalhadores já faleceram e tinham, em média, 55 anos de idade. Ao menos 20 óbitos foram registrados em decorrência de algum tipo de câncer.
Dez anos morando em um quarto de hotel
Ciomara Rodrigues não tem tanto a comemorar, mesmo depois do acordo na Justiça. Há dez anos, ela briga na Justiça por uma indenização mais adequada para a chácara em que viveu de 1974 a 2003. Forçada a deixar o local há dez anos, quando as propriedades da região foram interditadas pela Prefeitura de Paulínia, em vez de vendê-la à Shell, como os demais moradores fizeram, ela preferiu acionar a Justiça. “O dinheiro que a empresa quer pagar pela minha propriedade não dá nem para comprar uma casinha na periferia de Paulínia”, diz.
Enquanto a ação não for julgada, a Justiça obrigou a Shell a pagar um quarto de hotel para Ciomara e seus dois filhos. Isso faz dez anos. O processo caminha ainda na primeira instância. Como o acordo homologado diz respeito somente aos trabalhadores, sua situação deve permanecer indefinida.
Revoltada, ela criou um blog que atualiza desde 2004 com cada novo andamento do caso. Como é uma das poucas que pode visitar a área interditada pela prefeitura – já que a chácara ainda é propriedade sua – ela denuncia irregularidades nas obras de recuperação ambiental.
Entre os problemas apontados por ela, está o fato de os operários que trabalham nas obras de recuperação do local não usarem o mesmo equipamento de proteção individual específico para proteger dos contaminantes, equipamento que ela é obrigada a usar toda vez que visita a área, conforme revelam as fotos acima, ambas reproduzidas de seu blog.
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